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A "Resposta Histórica": como o Vasco tornou-se um símbolo contra o Racismo

Para além das quatro linhas, o Vasco da Gama protagonizou um dos capítulos mais marcantes da luta contra o racismo no futebol brasileiro. Em 1924, o clube recusou-se a excluir jogadores negros e operários para se adequar às exigências da elite carioca, respondendo por meio de uma corajosa carta que ficaria conhecida como “Resposta Histórica”.

Por Eduardo Vieira

25/03/2025 12h00 .- História

Imagem: Acervo Vasco da Gama

Muito mais do que um clube de futebol, o Vasco da Gama é um símbolo de resistência e inclusão social no Brasil. Em 1924, o clube protagonizou um dos momentos mais marcantes da história do desporto ao recusar-se a ceder às regras racistas impostas pelas elites do futebol carioca.

Fundado em 21 de agosto de 1898 como um clube de remo, o Vasco da Gama nasceu da comunidade luso-brasileira do Rio de Janeiro. Seus primeiros atletas eram, em grande parte, trabalhadores do comércio, brasileiros e portugueses, muitos deles empregados em pequenos negócios. A perceção elitista da época via esses indivíduos como inaptos para a prática desportiva de alto nível, o que só reforçava as barreiras sociais dentro do futebol, que era visto como um desporto para as elites.

A popularização do futebol no Rio de Janeiro na década de 1910 trouxe a necessidade de um clube que representasse as camadas mais humildes. Em 1915, a fusão com o Lusitânia Sport Club deu início à trajetória do Vasco no futebol. O clube rapidamente se consolidou como uma potência emergente.

O Título de 1923 e a “Resposta Histórica”

O ponto de viragem ocorreu em 1923, quando o Vasco conquistou o seu primeiro Campeonato Carioca com um plantel revolucionário. Apelidados de “Camisas Negras”, os jogadores vascaínos eram, em sua maioria, negros e operários. O título quebrou uma hegemonia mantida pelas elites do futebol carioca, que até então restringiam a competição a atletas de classes abastadas.

A reação dos clubes tradicionais foi drástica. Em 1924, Fluminense, Flamengo, Botafogo, Bangu e São Cristóvão decidiram criar a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), uma nova liga com estatutos que impediam a participação de jogadores negros e de baixa condição social. Para ingressar na AMEA, o Vasco teria de excluir 12 jogadores do seu elenco, sete do primeiro quadro e cinco do segundo, sob a justificativa de que não atendiam aos “padrões morais” exigidos.

Diante desta imposição discriminatória, o então presidente do Vasco, José Augusto Prestes, redigiu uma carta que ficaria conhecida como a “Resposta Histórica”. No documento, enviado à AMEA, Prestes rejeitou qualquer tentativa de exclusão e reafirmou o compromisso do clube com seus jogadores:

“Quanto à condição de eliminarmos doze dos nossos jogadores das nossas equipes, resolveu por unanimidade a Diretoria do C.R. Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar com o processo porque foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigação legada a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa. (…) São esses doze jogadores, jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira, e o ato público que os pode macular, nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias. Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da A.M.E.A.”

Esta decisão fez com que o Vasco fosse forçado a jogar em divisões inferiores, mas o clube manteve-se fiel aos seus princípios. Em 1925, devido ao seu sucesso e pressão popular, a AMEA teve de ceder, permitindo o regresso do Vasco e, consequentemente, abrindo caminho para uma maior inclusão de jogadores negros no futebol brasileiro.

O Legado da Resposta Histórica

A coragem do Vasco foi fundamental para a profissionalização do futebol no Brasil e para o surgimento de ídolos negros, como Jairzinho e Pelé, uma vez que esta veio apenas cerca de 35 anos após a abolição da escravidão no país.

“O futebol naquele momento (1923) era um desporto amador, onde era proibido o pagamento de salários para jogadores de futebol. […] Com a grande presença de jogadores negros que se inicia no futebol brasileiro, o futebol torna-se profissional em 1933. Talvez aqui a gente tenha um dos maiores legados da Resposta Histórica, que foi ajudar a tornar o futebol brasileiro um espaço profissional onde negros recebiam salários para estar naquele lugar“, afirmou em entrevista à TNT Sports o investigador Marcelo Carvalho, do Observatório Racial do Futebol.

O gesto do Vasco da Gama foi muito mais do que uma simples recusa a uma regra injusta. Foi um ato de resistência que mudou para sempre a história do futebol no Brasil. A inclusão de jogadores negros não só ampliou o talento disponível no desporto, mas também pavimentou o caminho para que o Brasil se tornasse o país do futebol, com craques que viriam a encantar o mundo.

Assim, a “Resposta Histórica” segue sendo um dos momentos mais significativos da história do futebol e um exemplo de como o desporto pode ser uma ferramenta poderosa na luta contra a discriminação.

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